16/03/2022

Deformação de conteúdo: A perversão do regime político brasileiro

“Cracia” (kratein), em grego, significa governo; e “demos”, povo. “Democracia”, assim, conceitua um regime político em que o governo, por princípio, é exercido diretamente pelo povo – ou, na impossibilidade, por seus representantes eleitos, mas com mandatos comprometidos com os interesses da maioria da população. 

Desde a “Revolução Gloriosa” inglesa, do século XVII, passando pela “Revolução Francesa” do final do XVIII – sempre como reação ao totalitarismo monárquico do “Antigo Regime” –, uma concepção mais democrática de governo foi sendo progressivamente gestada no Ocidente, até se consolidar, em meados do século XX, como sistema político hegemônico em contingente expressivo das nações modernas, com a adjetivação complementar do termo “república” ao  modelo – cujo significado remete ao imperativo do “interesse geral” (bem comum) como  conteúdo e propósito, por excelência, da governança.

Assim nascem as democracias republicanas – ou as repúblicas democráticas – contemporâneas,  inaugurando um novo capítulo da história da humanidade, em que valores e leis pautados na  soberania popular, no sufrágio universal, na liberdade de organização e de expressão, no livre  direito de ir e vir, na rotatividade dos governantes, na divisão e contrapesos entre os Poderes  de Estado, dentre outros, passaram a arquitetar as constituições regulamentadoras do novo  “pacto social”, esculpindo o seu ordenamento jurídico e a correspondente dinâmica política e  social.

A Constituição brasileira de 1988 – cunhada de “Cidadã” – consagra, no parágrafo único de seu artigo primeiro – que introduz e amarra, logicamente, todo o corpo textual do documento –, a principal premissa (e cláusula pétrea suprema) de todas as democracias modernas: “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes ou diretamente, nos termos desta Constituição”. 

Além da FORMA democrática de exercício do poder, a Carta da Magna assume, igualmente, a designação de “República” como substantivo definidor do sistema político eleito, caracterizando, com ambas as referências, o que deveria ser o CONTEÚDO do novo pacto federativo nacional, a partir de então.

Em princípio, tudo devidamente ajustado aos moldes mais refinados do “figurino” e absolutamente impecável no tocante aos padrões civilizatórios mais avançados da  contemporaneidade. Nada, portanto, a contestar – teoricamente.

O problema é que forma – letra da lei – nem sempre “bate” com conteúdo – prática e ação dos homens. Não obstante as aparentes e melhores intenções pátrias dos constituintes redatores do renovado (e saudado) “pacto social”, fato é que os acontecimentos estão a demonstrar que a (assim denominada) “Nova República” descarrilhou do roteiro programado, adulterando o propósito originário de toda a trajetória. 

Seja por erro de projeto, seja por “má formação genética” dos “herdeiros” da “nova ordem” (ou ambas as causas), é evidente que o produto final de todo o “esforço civilizador” resultou, ao fim e ao cabo, não numa “democracia republicana” (à la lettre), mas numa oligarquia cleptocrática (tout court) – em que o povo só é convocado, de tempos em tempos, para “legitimar” aqueles  que irão lhe usurpar (o poder) e roubar (as riquezas), assim reduzido ao papel de simples “massa  de manobra” dos oportunistas de plantão.

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